No outro dia fui ver este filme: Religulous - http://www.lionsgate.com/religulous/.
O filme anuncia-se como uma satira a religiao organizada (sim, Joao Vasco, vais adorar). Mas acaba por ser muito mais do que isso.
O comeco e assim estilo Michael Moore - piada engracada de que so os convertidos se riem. No entanto, foi bom ver que o realizador nao era politicamente correcto, criticando cristaos, muculmanos, cientologistas e judeus - e nao so os cristaos proximos. Tambem gostei que nao tivesse caido no extremo de dizer que todos os religiosos sao fanaticos, e tivesse filmado um frade holandes a dizer "que a biblia, no fundo, no fundo, gostava dos homossexuais".
Apesar de, sim, ter filmado alguns extremistas que superam o extremo concebivel pelo cidadao comum. Como o velho com olhar mau que gere o museu criacionista nos EUA, onde criancas brincam com dinossauros. Ou uma americana adolescente com ar angelical a dizer "I don't hate homossexuals. God does". Ou o senador republicano que acredita na biblia e conclui a dizer "you don't need an IQ test to run for senator".
Mas tudo isto seria mais ou menos inconsequente, nao fosse o final do filme. Inconsequente porque quem vai ver isto ja sabe de cor estas piadas, estas criticas. Quanto muito, fica com uma visao alargada do extremo a que se pode ir.
Mas o final do filme demonstra que o realizador sabe perfeitamente quem e a audiencia dele. E ele sabe que quem vai, ou ja conhece as falacias da religiao organizada ou para la caminha. O objectivo nunca foi fazer um documentario BBC sobre a psique humana com cientistas e doutorados.
O objectivo e demonstrar que a religiao nao e inocua. Deus polui o espaco politico de hoje em dia e isso, em si, constitui uma ameaca. Aquilo que, para mim, foi absolutamente novo neste filme foi ter sido feito um apelo a consciencia dos ateus, agnosticos e religiosos com senso.
Ter religiao e uma escolha individual. Assim, nao ter religiao e tambem uma escolha individual. No entanto, os ateus, ao contrario dos cristaos ou muculmanos nao fazem teatrinhos de natal juntos, nao vao a missa nem se encontram na mesquita. Os nao religiosos encontram-se dispersos, e parece nao haver uma consciencia de grupo do seu poder.
Este filme foi o primeiro apelo mainstream a que assisto a tentar motivar estas pessoas a reclamar o espaco publico. E por isso que isto e muito mais do uma comedia sarcastica: e um apelo preocupado a accao urgente.
sexta-feira, 17 de outubro de 2008
Second show, now with Michelle
Eu sei que, la no fundo, no fundo, sao todos iguais. Eu sei que democratas e republicanos apoiaram o bail-out. Eu suspeito que a necessidade do bail-out, a negociacao do bail-out, a votacao do bail-out, teve muito pouco a ver com eficiencia economica e muito a ver com palmadinhas nas costas dos mais ricos, enquanto o Joe Plummer nao paga a hipoteca.
Eu sei isso tudo e, no entanto, como foi bom ver a Michelle Obama a discursar aqui a Pittsburgh. Sim, era uma audiencia universitaria. E, nao, ela nao teve a discutir health care ou os detalhes dos impostos. No entanto, epa, teve classe.
Depois do rally histerico da Palin, feito para a base republicana branca, atirando para a populaca o sangue dos bebes mortos, foi bom ver um comicio cheio de afro-americanos, em que o discurso se centra no candidato e nao no opositor. E claro os democratas estao mais descansados que os republicanos, nesta fase do campeonato. Estao a frente: talvez nao precisem de atacar tanto. Mesmo assim.
A Michelle vendeu esperanca e promessas, falou do Obama como quem acredita mesmo nele, e fez tudo isso no tom american-dream de quem tinha pulado o muro que separa os suburbios da parte rica da cidade.
E claro que e um mito. Mas soa melhor que sangue.
Eu sei isso tudo e, no entanto, como foi bom ver a Michelle Obama a discursar aqui a Pittsburgh. Sim, era uma audiencia universitaria. E, nao, ela nao teve a discutir health care ou os detalhes dos impostos. No entanto, epa, teve classe.
Depois do rally histerico da Palin, feito para a base republicana branca, atirando para a populaca o sangue dos bebes mortos, foi bom ver um comicio cheio de afro-americanos, em que o discurso se centra no candidato e nao no opositor. E claro os democratas estao mais descansados que os republicanos, nesta fase do campeonato. Estao a frente: talvez nao precisem de atacar tanto. Mesmo assim.
A Michelle vendeu esperanca e promessas, falou do Obama como quem acredita mesmo nele, e fez tudo isso no tom american-dream de quem tinha pulado o muro que separa os suburbios da parte rica da cidade.
E claro que e um mito. Mas soa melhor que sangue.
quarta-feira, 15 de outubro de 2008
Drill, Sarah, Drill
No outro dia fui a um comício da Palin. Saí de casa por volta das 4 da manhã, perdi-me no meio da imensidão da Pennsylvania, e achei-me numa cidade-vila americana, daquelas onde ou se trabalha na fábrica ou se é polícia (intuição minha).
Esperei duas horas numa fila de republicanos ferrenhos.
Isto foi muito instrutivo. À minha volta, republicanos brancos esperavam calados ou tecendo comentários sobre o mundo em geral e o Obama em particular. Haviam cartazes a dizer "we pray for you, Sarah" e uma raparinha loirinha que não deve saber ler tinha um que dizia "My name is Reagan and I'm voting for Sarah". Houve umas senhoras que tinham visto na internet que o Obama tinha forjado a certidão de nascimento. "Hum, hum", parece que o tipo nem americano é.
À medida que a fila crescia, cresciam os protestos contra a Palin. A consciência de grupo começou a despertar quando, do outro lado da rua, uns tipos pro-Obama assumiam a sua irreverência. É claro que isto foi o ponto alto da espera, para mim e para todos os envolvidos. Mas os republicanos querem tudo com ordem, muita ordem.
As entradas eram controladas por bilhetes que, apesar de gratuitos, não eram dados à revelia, só a pessoas que a qualquer momento não gritariam qualquer coisa sobre a guerra. E pessoas foram expulsas da fila por gritarem contra os tipos pro-Obama.
A espera em si foi um pouco angustiante. Sentia-me verdadeiramente uma espia, prestes a ser denunciada pelo seu sotaque europeu.
O comício em si compensou a angústia. Se alguma vez viram a Palin a falar sabem que a escolha dela para VP é controversa, mesmo dentro dos republicanos. Controvérsia neste caso quer dizer que a tipa parece assustadoramente ignorante. Este comício fez-me entender que o que para uns é falta de qualificações, para outros é as qualificações que se conseguem entender.
A Sarah foi apresentada como a pessoa que "talks the talks because she walks the walk" e começou o discurso a dizer que o marido era exactamente como as pessoas que assistiam ao comício - hand-workers.
É claro que isto foi o ponto alto. A partir daqui, seguiram-se umas baboseiras sobre independência energética, como se o "clean coal" e os "untapped resources of Alasca" fossem já para amanhã. E, sim, havia pessoas a cantar "Drill, baby, drill".
O discurso contra o Obama centrou-se em ele ser a favor do aborto. E em nunca ter dito que quer que a América ganhe a guerra do Iraque.
Daqui seguiu-se para o argumento puxa-lágrima, porque a Sarah vai cuidar muito das criancinhas deficientes. Os seres humanos precisam de cuidar dos mais frágeis - desde, claro, que eles não sejam crianças iraquianas.
Que a verdade seja dita, não achei a forma do discurso especialmente má, dado ter sido entregue a uma multidão de apoiantes. Isto é, foi tão má como todos os que vi até agora, unem a bota com a perdigota e depois dizem "o meu partido é bom".
No final, houve uma corrida ao autógrafo, e a Sarah assinou muito papelucho.
E, enfim, foi isto. Ao meio dia estava de volta a casa.
Esperei duas horas numa fila de republicanos ferrenhos.
Isto foi muito instrutivo. À minha volta, republicanos brancos esperavam calados ou tecendo comentários sobre o mundo em geral e o Obama em particular. Haviam cartazes a dizer "we pray for you, Sarah" e uma raparinha loirinha que não deve saber ler tinha um que dizia "My name is Reagan and I'm voting for Sarah". Houve umas senhoras que tinham visto na internet que o Obama tinha forjado a certidão de nascimento. "Hum, hum", parece que o tipo nem americano é.
À medida que a fila crescia, cresciam os protestos contra a Palin. A consciência de grupo começou a despertar quando, do outro lado da rua, uns tipos pro-Obama assumiam a sua irreverência. É claro que isto foi o ponto alto da espera, para mim e para todos os envolvidos. Mas os republicanos querem tudo com ordem, muita ordem.
As entradas eram controladas por bilhetes que, apesar de gratuitos, não eram dados à revelia, só a pessoas que a qualquer momento não gritariam qualquer coisa sobre a guerra. E pessoas foram expulsas da fila por gritarem contra os tipos pro-Obama.
A espera em si foi um pouco angustiante. Sentia-me verdadeiramente uma espia, prestes a ser denunciada pelo seu sotaque europeu.
O comício em si compensou a angústia. Se alguma vez viram a Palin a falar sabem que a escolha dela para VP é controversa, mesmo dentro dos republicanos. Controvérsia neste caso quer dizer que a tipa parece assustadoramente ignorante. Este comício fez-me entender que o que para uns é falta de qualificações, para outros é as qualificações que se conseguem entender.
A Sarah foi apresentada como a pessoa que "talks the talks because she walks the walk" e começou o discurso a dizer que o marido era exactamente como as pessoas que assistiam ao comício - hand-workers.
É claro que isto foi o ponto alto. A partir daqui, seguiram-se umas baboseiras sobre independência energética, como se o "clean coal" e os "untapped resources of Alasca" fossem já para amanhã. E, sim, havia pessoas a cantar "Drill, baby, drill".
O discurso contra o Obama centrou-se em ele ser a favor do aborto. E em nunca ter dito que quer que a América ganhe a guerra do Iraque.
Daqui seguiu-se para o argumento puxa-lágrima, porque a Sarah vai cuidar muito das criancinhas deficientes. Os seres humanos precisam de cuidar dos mais frágeis - desde, claro, que eles não sejam crianças iraquianas.
Que a verdade seja dita, não achei a forma do discurso especialmente má, dado ter sido entregue a uma multidão de apoiantes. Isto é, foi tão má como todos os que vi até agora, unem a bota com a perdigota e depois dizem "o meu partido é bom".
No final, houve uma corrida ao autógrafo, e a Sarah assinou muito papelucho.
E, enfim, foi isto. Ao meio dia estava de volta a casa.
sexta-feira, 10 de outubro de 2008
O Sonho Americano (The American Dream)
Devo assumir que ando cada vez mais Anti-Americano.
Não, não sou xenófobo. Este meu anti-americanismo não é nada contra a América enquanto espaço físico ou os americanos em geral, mas sim contra o que a América ainda representa para nós, para mim ainda que insconscientemente, enquanto símbolo onírico de tudo o que idealizamos como bom. É o conceito aglutinador das múltiplas oportunidades, fáceis e rápidas, da prosperidade, da variedade, da liberdade, da democracia, do empreendedorismo, do crescimento. O que é interessante é que, como utópico, encerra em si todos os desejos do sujeito que fantasia.
Se fecharmos os olhos, existe a América onde o americano normal vive numa bela casa (com páineis fotovoltaicos), muitos livros (intelectualmente estimulantes), muita música (boa), tudo em formato digital, vai de carro para o emprego (não poluente e reciclado), come comida saborosa e saudável, os nossos amigos são dos sete cantos do mundo e vivemos todos em harmonia.
Mas também podemos fechar os olhos e ver uma América onde cada pessoa tem o seu Hummer, anda com 5 colares de ouro de meio kilo ao pescoço, tem sempre quatro babes dentro do Hummer e é um sucesso a cantar rap.
Ou então cada um que tem uma ideia para uma empresa e é já um sucesso em si, afinal de contas é a terra das oportunidades.
A América, por definição, é assim: é a terra prometida individual. É o nosso éden ptolomeico. O local perfeito para o desenvolvimento do "eu". Não sei como chegámos até aqui, ou talvez possa vislumbrar.
Para mim a América simboliza este crash económico (mundial, diga-se de passagem), este enorme palácio de cristal feito de uma gigantesca bola de sabão. É bonito por fora, mas se lhe tocarmos rebenta numa multiplicidade de gotículas que mais não são que uma reminiscência do nosso sonho. Por dentro restam as pessoas reais, com caras reais, corpos reais, necessidades reais, gostos reais, aspirações reais, que estavam escondidas porque eram "demasidado" reais.
A América é o símbolo do braço mais radical deste capitalismo (ah, utilizei esta palavra) balofo e toda a máquina ideológica que nos emprenha pelos cinco sentidos, sublimando-nos a este (des) ideal. Daí o meu Anti-Americanismo.
Por causa do último post da Cris, dizendo que provalvelmente o portugês médio é analfabeto, fiquei com curiosidade de saber como é a taxa de literacia na América. Para minha curiosidade os dados oficiais até agora indicam uma taxa de 99.9%. Incrível, mas não sei porquê, demasiado bom para ser verdade. Procurei um pouco mais e descobri que existem 7 milhões de iletrados (~2%), 27 milhões são incapazes de obter um emprego por serem incapazes de ler (~9%) e 30 milhões são incapazes de perceber uma frase simples (~10%). Portugal está também com cerca de 10% de iletrados, mas na realidade devem ser uns 15%. A diferença não é muita, ou melhor, é muita porque o português normal não pode bombardear outros países nem ditar a cultura média mundial.
Faz-me um pouco de impressão falar assim do português: como analfabeto. Não sou nacionalista, mas não tenho vergonha de ser português. Sou crítico de muitas coisas de Portugal, a grande maioria, transversais a todos os países capitalistas como o nosso. O escarrar para o chão do português médio não é mais feio que o do americano médio, nem que o do holandês médio (apesar de escarrar, em média, de mais alto), ou as alarvidades que vocifera o português médio não são piores que as do americano médio. Nem a Fátima Lopes é pior que a Oprah.
A diferença está na escala, na dimensão. Nós copiamos e fazemos coisas no nosso quintal, os outros transvasam fronteiras.
Agora, para mim a América é pior, no sentido em que está mais à frente no ponto de vista do estádio de desenvolvimento. A América é o nosso futuro, se nada fizermos, é o nosso sonho (ou será pesadelo?). O meu anti-Americanismo é esse, é um anti-capitalismo.
As verdadeiras taxas de probreza na América rondam os 20 e tal %. Vejam este artigo:
http://www.citymayors.com/society/usa-poverty.html
~64% dos Americanos têm peso a mais, ~30% têm mais de 13kg que o peso máximo adequado à sua estatura. Sim, existem alternativas saudáveis em alguns supermercados, em alguns vegetarianos, mas é essa a média? É isso o que se encontra se se procurar aleatoriamente? Das pessoas adultas a cerca de 50% das afro-americanas são obesas, comparando com 30% das brancas.
20% dos Americanos não têm acesso a assistência de saúde.
A América média é a América que nos obriga a ler e concordar com 120 páginas de EULA para poder ver a bela adormecida.
O Americano médio diz que o Barack Obama é terrorista porque se chama Barack:
http://bloggerinterrupted.com/2008/10/video-the-mccain-palin-mob-in-strongsville-ohio
O America média tem mais de 9 armas por casa 10 habitantes.
A América real é pior ainda que a América média: não há distribuições e homegeneizações artificiais que surgem da estatística.
O problema da América média é esse: não aparece na televisão, nem nos filmes, nem nas universidades privadas, nem nos bairros dos estudantes europeus, nem tão pouco nos restaurantes vegetarianos. A América média é a América real, iletrada, pobre, mal informada, preconceituosa, religiosa, reaccionária, feia, gorda, mal alimentada e alienada. Tal como provavelmente o Europeu médio agora, e ainda mais daqui a uns anos, se continuarmos nesta escalada de empreendedorismo capitalista.
Alternativas marginais existem em quase todo o lado. A questão e a forma de medir é ver quão fácil é encontrar essas alternativas e quão alternativas são.
http://www.time.com/time/photogallery/0,29307,1626519_1373664,00.html
http://www.time.com/time/photogallery/0,29307,1645016_1408103,00.html
-artur palha
Não, não sou xenófobo. Este meu anti-americanismo não é nada contra a América enquanto espaço físico ou os americanos em geral, mas sim contra o que a América ainda representa para nós, para mim ainda que insconscientemente, enquanto símbolo onírico de tudo o que idealizamos como bom. É o conceito aglutinador das múltiplas oportunidades, fáceis e rápidas, da prosperidade, da variedade, da liberdade, da democracia, do empreendedorismo, do crescimento. O que é interessante é que, como utópico, encerra em si todos os desejos do sujeito que fantasia.
Se fecharmos os olhos, existe a América onde o americano normal vive numa bela casa (com páineis fotovoltaicos), muitos livros (intelectualmente estimulantes), muita música (boa), tudo em formato digital, vai de carro para o emprego (não poluente e reciclado), come comida saborosa e saudável, os nossos amigos são dos sete cantos do mundo e vivemos todos em harmonia.
Mas também podemos fechar os olhos e ver uma América onde cada pessoa tem o seu Hummer, anda com 5 colares de ouro de meio kilo ao pescoço, tem sempre quatro babes dentro do Hummer e é um sucesso a cantar rap.
Ou então cada um que tem uma ideia para uma empresa e é já um sucesso em si, afinal de contas é a terra das oportunidades.
A América, por definição, é assim: é a terra prometida individual. É o nosso éden ptolomeico. O local perfeito para o desenvolvimento do "eu". Não sei como chegámos até aqui, ou talvez possa vislumbrar.
Para mim a América simboliza este crash económico (mundial, diga-se de passagem), este enorme palácio de cristal feito de uma gigantesca bola de sabão. É bonito por fora, mas se lhe tocarmos rebenta numa multiplicidade de gotículas que mais não são que uma reminiscência do nosso sonho. Por dentro restam as pessoas reais, com caras reais, corpos reais, necessidades reais, gostos reais, aspirações reais, que estavam escondidas porque eram "demasidado" reais.
A América é o símbolo do braço mais radical deste capitalismo (ah, utilizei esta palavra) balofo e toda a máquina ideológica que nos emprenha pelos cinco sentidos, sublimando-nos a este (des) ideal. Daí o meu Anti-Americanismo.
Por causa do último post da Cris, dizendo que provalvelmente o portugês médio é analfabeto, fiquei com curiosidade de saber como é a taxa de literacia na América. Para minha curiosidade os dados oficiais até agora indicam uma taxa de 99.9%. Incrível, mas não sei porquê, demasiado bom para ser verdade. Procurei um pouco mais e descobri que existem 7 milhões de iletrados (~2%), 27 milhões são incapazes de obter um emprego por serem incapazes de ler (~9%) e 30 milhões são incapazes de perceber uma frase simples (~10%). Portugal está também com cerca de 10% de iletrados, mas na realidade devem ser uns 15%. A diferença não é muita, ou melhor, é muita porque o português normal não pode bombardear outros países nem ditar a cultura média mundial.
Faz-me um pouco de impressão falar assim do português: como analfabeto. Não sou nacionalista, mas não tenho vergonha de ser português. Sou crítico de muitas coisas de Portugal, a grande maioria, transversais a todos os países capitalistas como o nosso. O escarrar para o chão do português médio não é mais feio que o do americano médio, nem que o do holandês médio (apesar de escarrar, em média, de mais alto), ou as alarvidades que vocifera o português médio não são piores que as do americano médio. Nem a Fátima Lopes é pior que a Oprah.
A diferença está na escala, na dimensão. Nós copiamos e fazemos coisas no nosso quintal, os outros transvasam fronteiras.
Agora, para mim a América é pior, no sentido em que está mais à frente no ponto de vista do estádio de desenvolvimento. A América é o nosso futuro, se nada fizermos, é o nosso sonho (ou será pesadelo?). O meu anti-Americanismo é esse, é um anti-capitalismo.
As verdadeiras taxas de probreza na América rondam os 20 e tal %. Vejam este artigo:
http://www.citymayors.com/society/usa-poverty.html
~64% dos Americanos têm peso a mais, ~30% têm mais de 13kg que o peso máximo adequado à sua estatura. Sim, existem alternativas saudáveis em alguns supermercados, em alguns vegetarianos, mas é essa a média? É isso o que se encontra se se procurar aleatoriamente? Das pessoas adultas a cerca de 50% das afro-americanas são obesas, comparando com 30% das brancas.
20% dos Americanos não têm acesso a assistência de saúde.
A América média é a América que nos obriga a ler e concordar com 120 páginas de EULA para poder ver a bela adormecida.
O Americano médio diz que o Barack Obama é terrorista porque se chama Barack:
http://bloggerinterrupted.com/2008/10/video-the-mccain-palin-mob-in-strongsville-ohio
O America média tem mais de 9 armas por casa 10 habitantes.
A América real é pior ainda que a América média: não há distribuições e homegeneizações artificiais que surgem da estatística.
O problema da América média é esse: não aparece na televisão, nem nos filmes, nem nas universidades privadas, nem nos bairros dos estudantes europeus, nem tão pouco nos restaurantes vegetarianos. A América média é a América real, iletrada, pobre, mal informada, preconceituosa, religiosa, reaccionária, feia, gorda, mal alimentada e alienada. Tal como provavelmente o Europeu médio agora, e ainda mais daqui a uns anos, se continuarmos nesta escalada de empreendedorismo capitalista.
Alternativas marginais existem em quase todo o lado. A questão e a forma de medir é ver quão fácil é encontrar essas alternativas e quão alternativas são.
http://www.time.com/time/photogallery/0,29307,1626519_1373664,00.html
http://www.time.com/time/photogallery/0,29307,1645016_1408103,00.html
-artur palha
quarta-feira, 8 de outubro de 2008
Yes, the vacations are definitiley over
Na última semana fiz duas directas devido a imaturidade estudantil, que é como quem diz: lembrei-me dos prazos só mesmo porque não os podia esquecer. Andei na boa vai ela, pois bem.
As férias acabaram. A adaptação à América continua.
Os esquilos já não são fofinhos, são a praga de estimação.
A casa já não é nova, é fria e às vezes parece vazia.
Já estou farta de dizer "I'm not american" a estudantes pro-obama à caça do voto.
Já comi sopa congelada e gostei.
Já vivi a quinti-essencia da festa americana, quando polícias entraram numa casa privada e dispersaram o pessoal. Sem mandato, claro. Com lanterninhas e autoridade, obviamente. Sim, havia barulho e os vizinhos, coitados, queriam dormir à meia noite. But that's not the point.
Começo a perceber os intrincados processos de absorção de emigrantes, as atitudes de defesa com que as pessoas se armam num contexto alienigina.
Estar na América é fundamentalmente diferente de estar na União Europeia. Talvez este sentimento seja agudizado por nunca ter estado a viver num país estrangeiro. Mas mantenho que há diferenças de fundo. Só aqui me apercebi o quanto me sinto portuguesa e europeia (mesmo quando racionalmente sei que a expansão é um debate que põe meta-dúvidas sobre o tamanho das instituições).
Aqui há umas leizinhas especiais e complicadas para pessoas como eu, que não votam, só podem trabalhar depois de complexas burocracias, e que podem ser expulsas.
Pessoas como eu não têm história, tudo aqui é novo, e não há refúgio. Não há família, amigos de longa data. Tudo isso se cria, claro, mas é como se sem raízes ficassemos mais leves e anódinos.
Uma reacção a esta sensação de separação invísivel é comentar a estupidez dos americanos, a má comida, etecetera etecetera.
Lamento, mas não vejo americanos mais estúpidos que o português normal. A minha cabeleileira estava a escrever um livro, e as pessoas com quem falo, em geral têm hobbies e são informadas como qualquer estudante universitário. É claro que não contacto muito com o americano médio, mas também nunca contactei assim tanto com o português médio que, por falar nisso, é provavelmente analfabeto.
E a comida não é de todo pouco saudável em si. Existe sim, uma propensão para comer demais: molhos a mais, quantidade a mais, artificialidade a mais. Mas também existem os restaurantes biológicos, as hipóteses vegetarianas, sopas, saladas, variedade.
A outra reacção é agir como se estivessemos em Portugal, mas na América.
É claro que ando à procura da minha versão da terceira...
As férias acabaram. A adaptação à América continua.
Os esquilos já não são fofinhos, são a praga de estimação.
A casa já não é nova, é fria e às vezes parece vazia.
Já estou farta de dizer "I'm not american" a estudantes pro-obama à caça do voto.
Já comi sopa congelada e gostei.
Já vivi a quinti-essencia da festa americana, quando polícias entraram numa casa privada e dispersaram o pessoal. Sem mandato, claro. Com lanterninhas e autoridade, obviamente. Sim, havia barulho e os vizinhos, coitados, queriam dormir à meia noite. But that's not the point.
Começo a perceber os intrincados processos de absorção de emigrantes, as atitudes de defesa com que as pessoas se armam num contexto alienigina.
Estar na América é fundamentalmente diferente de estar na União Europeia. Talvez este sentimento seja agudizado por nunca ter estado a viver num país estrangeiro. Mas mantenho que há diferenças de fundo. Só aqui me apercebi o quanto me sinto portuguesa e europeia (mesmo quando racionalmente sei que a expansão é um debate que põe meta-dúvidas sobre o tamanho das instituições).
Aqui há umas leizinhas especiais e complicadas para pessoas como eu, que não votam, só podem trabalhar depois de complexas burocracias, e que podem ser expulsas.
Pessoas como eu não têm história, tudo aqui é novo, e não há refúgio. Não há família, amigos de longa data. Tudo isso se cria, claro, mas é como se sem raízes ficassemos mais leves e anódinos.
Uma reacção a esta sensação de separação invísivel é comentar a estupidez dos americanos, a má comida, etecetera etecetera.
Lamento, mas não vejo americanos mais estúpidos que o português normal. A minha cabeleileira estava a escrever um livro, e as pessoas com quem falo, em geral têm hobbies e são informadas como qualquer estudante universitário. É claro que não contacto muito com o americano médio, mas também nunca contactei assim tanto com o português médio que, por falar nisso, é provavelmente analfabeto.
E a comida não é de todo pouco saudável em si. Existe sim, uma propensão para comer demais: molhos a mais, quantidade a mais, artificialidade a mais. Mas também existem os restaurantes biológicos, as hipóteses vegetarianas, sopas, saladas, variedade.
A outra reacção é agir como se estivessemos em Portugal, mas na América.
É claro que ando à procura da minha versão da terceira...
terça-feira, 7 de outubro de 2008
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