sexta-feira, 10 de outubro de 2008

O Sonho Americano (The American Dream)

Devo assumir que ando cada vez mais Anti-Americano.

Não, não sou xenófobo. Este meu anti-americanismo não é nada contra a América enquanto espaço físico ou os americanos em geral, mas sim contra o que a América ainda representa para nós, para mim ainda que insconscientemente, enquanto símbolo onírico de tudo o que idealizamos como bom. É o conceito aglutinador das múltiplas oportunidades, fáceis e rápidas, da prosperidade, da variedade, da liberdade, da democracia, do empreendedorismo, do crescimento. O que é interessante é que, como utópico, encerra em si todos os desejos do sujeito que fantasia.

Se fecharmos os olhos, existe a América onde o americano normal vive numa bela casa (com páineis fotovoltaicos), muitos livros (intelectualmente estimulantes), muita música (boa), tudo em formato digital, vai de carro para o emprego (não poluente e reciclado), come comida saborosa e saudável, os nossos amigos são dos sete cantos do mundo e vivemos todos em harmonia.

Mas também podemos fechar os olhos e ver uma América onde cada pessoa tem o seu Hummer, anda com 5 colares de ouro de meio kilo ao pescoço, tem sempre quatro babes dentro do Hummer e é um sucesso a cantar rap.

Ou então cada um que tem uma ideia para uma empresa e é já um sucesso em si, afinal de contas é a terra das oportunidades.

A América, por definição, é assim: é a terra prometida individual. É o nosso éden ptolomeico. O local perfeito para o desenvolvimento do "eu". Não sei como chegámos até aqui, ou talvez possa vislumbrar.

Para mim a América simboliza este crash económico (mundial, diga-se de passagem), este enorme palácio de cristal feito de uma gigantesca bola de sabão. É bonito por fora, mas se lhe tocarmos rebenta numa multiplicidade de gotículas que mais não são que uma reminiscência do nosso sonho. Por dentro restam as pessoas reais, com caras reais, corpos reais, necessidades reais, gostos reais, aspirações reais, que estavam escondidas porque eram "demasidado" reais.

A América é o símbolo do braço mais radical deste capitalismo (ah, utilizei esta palavra) balofo e toda a máquina ideológica que nos emprenha pelos cinco sentidos, sublimando-nos a este (des) ideal. Daí o meu Anti-Americanismo.

Por causa do último post da Cris, dizendo que provalvelmente o portugês médio é analfabeto, fiquei com curiosidade de saber como é a taxa de literacia na América. Para minha curiosidade os dados oficiais até agora indicam uma taxa de 99.9%. Incrível, mas não sei porquê, demasiado bom para ser verdade. Procurei um pouco mais e descobri que existem 7 milhões de iletrados (~2%), 27 milhões são incapazes de obter um emprego por serem incapazes de ler (~9%) e 30 milhões são incapazes de perceber uma frase simples (~10%). Portugal está também com cerca de 10% de iletrados, mas na realidade devem ser uns 15%. A diferença não é muita, ou melhor, é muita porque o português normal não pode bombardear outros países nem ditar a cultura média mundial.

Faz-me um pouco de impressão falar assim do português: como analfabeto. Não sou nacionalista, mas não tenho vergonha de ser português. Sou crítico de muitas coisas de Portugal, a grande maioria, transversais a todos os países capitalistas como o nosso. O escarrar para o chão do português médio não é mais feio que o do americano médio, nem que o do holandês médio (apesar de escarrar, em média, de mais alto), ou as alarvidades que vocifera o português médio não são piores que as do americano médio. Nem a Fátima Lopes é pior que a Oprah.

A diferença está na escala, na dimensão. Nós copiamos e fazemos coisas no nosso quintal, os outros transvasam fronteiras.

Agora, para mim a América é pior, no sentido em que está mais à frente no ponto de vista do estádio de desenvolvimento. A América é o nosso futuro, se nada fizermos, é o nosso sonho (ou será pesadelo?). O meu anti-Americanismo é esse, é um anti-capitalismo.

As verdadeiras taxas de probreza na América rondam os 20 e tal %. Vejam este artigo:

http://www.citymayors.com/society/usa-poverty.html

~64% dos Americanos têm peso a mais, ~30% têm mais de 13kg que o peso máximo adequado à sua estatura. Sim, existem alternativas saudáveis em alguns supermercados, em alguns vegetarianos, mas é essa a média? É isso o que se encontra se se procurar aleatoriamente? Das pessoas adultas a cerca de 50% das afro-americanas são obesas, comparando com 30% das brancas.

20% dos Americanos não têm acesso a assistência de saúde.

A América média é a América que nos obriga a ler e concordar com 120 páginas de EULA para poder ver a bela adormecida.

O Americano médio diz que o Barack Obama é terrorista porque se chama Barack:

http://bloggerinterrupted.com/2008/10/video-the-mccain-palin-mob-in-strongsville-ohio

O America média tem mais de 9 armas por casa 10 habitantes.

A América real é pior ainda que a América média: não há distribuições e homegeneizações artificiais que surgem da estatística.

O problema da América média é esse: não aparece na televisão, nem nos filmes, nem nas universidades privadas, nem nos bairros dos estudantes europeus, nem tão pouco nos restaurantes vegetarianos. A América média é a América real, iletrada, pobre, mal informada, preconceituosa, religiosa, reaccionária, feia, gorda, mal alimentada e alienada. Tal como provavelmente o Europeu médio agora, e ainda mais daqui a uns anos, se continuarmos nesta escalada de empreendedorismo capitalista.

Alternativas marginais existem em quase todo o lado. A questão e a forma de medir é ver quão fácil é encontrar essas alternativas e quão alternativas são.

http://www.time.com/time/photogallery/0,29307,1626519_1373664,00.html
http://www.time.com/time/photogallery/0,29307,1645016_1408103,00.html

-artur palha

6 comentários:

Guillaume Riflet disse...

Wow, realmente tens um dente contra o símbolo americano.

Mas olha que o capitalismo que causou todo esse problema está assente no sistema bancário mundial (que inclui o FMI) e nos consórcios multi-nacionais.

Certamente o sonho americano não é o capitalismo liberal. Esse capitalismo liberal nasceu e floresceu na europa (Holanda, Inglaterra, Bélgica, França) e voou além fronteiras com um mega-golpe em 1913 quando o presidente americano Woodrow Wilson deixou que o estado pedisse crédito apenas a bancos privados e com juros! Assim, simultaneamente a europa (mais tarde a CEE) e a américa estariam nas mão do banco mundial, entidade responsável pela dívida sempre crescente dos países à qual se acresce x porcento só em juros.

A partir daí, o estado perde o controle sobre a emissão do crédito para as obras públicas, e o resto é história ... A ganância dos banqueiros faz com que se chegue a situações de crise ...

Li algures que o sistema económico colapsa quando há sobre-produção, porque não há riqueza(dinheiro) que chegue para comprar essa sobre-produção. Então a guerra é encorajada porque permite destruir, com actos bélicos, essa sobre-produção, de forma a nunca atingir uma crise económica.

Portanto produz-se mais do que é vendável por um lado, e por outro, destrói-se o excesso com guerras, para não acumular stock. Sobre-produção + Guerra => emissão massiva de títulos de crédito. Quem beneficia? Em primeiro lugar, os banqueiros.

Deixo-vos este videozinho brutal (1h15min)!! Os comentários tb estão muito bons!

http://www.vimeo.com/1711304?pg=embed&sec=1711304

gorkiana disse...

O problema, para mim, não está no sistema bancário internacional, quer dizer, eles também estão incluídos mas não são a causa.

Essencialmente existem dois grandes tipos de capitalismo:

- O keynesiano (do economista Keynes)
- o friedmaniano (do economista Milton Friedman)

O primeiro é aquilo que tínhamos na Europa mas que andava a perder, cada vez mais, adeptos. O estandarte é a Suécia. Um capitalismo com coração, pode-se chamar assim. Divide-se menos mal por todos e o estado tem um papel de controlo, para manter o clima social não muito agitado. É o chamado "welfare state". A antiga Social Democracia.

O segundo é a mão invisível do mercado, que tudo regula, a funcionar no seu extremo. Nada de regulamentação, o mercado, por si, regula-se. Foi muito popularizado e levado ao extremo (com toda a barbarie associada) no países da América Latina (Chile, Argentina, Brasil,...). Privatização de tudo, escolas, hospitais, reformas, tudo. Sim, aqui o FMI e o Banco Mundial tiveram um papel importante, mas a culpa não é deles, a culpa é do capitalismo e dos capitalistas cujos interesses são beneficiados a curto prazo e de forma muito proveitosa, com políticas destas

Esta tem sido uma grande luta, dentro do capitalismo, nos últimos anos, com a segunda via a ganhar cada vez mais terreno. Basta olhar para o velho continente e ver os Sarkozys, os Berlusconis, os Sócrates, etc., com as suas políticas de privatização (neo-liberais).

Enfim, este crash económico é mais um dos vários crashs económicos do capitalismo em toda a sua história, que remonta, como tu disseste bem, Guillaume, aos gloriosos tempos da revolução industrial.

A grande crise ideológica que se trava agora, perante este colapso estrondoso do capitalismo "livre" como diria Friedman, vem deitar por terra toda esta verborreia dos mercados auto-regulados. O que se está a fazer na Europa e se prepara para fazer na América (já se fez com a AIG) tem um nome muito simples: nacionalização.

É interessante ler este artigo: http://mrzine.monthlyreview.org/tabb101008.html

Não só explica, mais uma vez a crise, como a enquadra em todo o sistema capitalista, sim, porque é disso que se trata.

Por isso é que as teorias Marxistas são tão interessantes e merecem ser melhor estudadas e não olhadas com ar de: lá vem este gajo outra vez com o Marx. Em 1840s Marx teorizou as crises cíclicas do capitalismo (crises de sobreprodução de que tu falas), a concentração de capital e a transnacionalização do capital (renomeada agora de globalização) e na altura impensável.

Esta crise, com tudo o que de mal tem, que é muito, tem um lado positivo: faz-nos repensar sobre este sistema, coisa que já não era feita há muito tempo de forma séria.

Vou ver o teu vídeo e depois falamos.

João Vasco disse...

Artur e todos:

Não concordo com o marxismo, e ando a discurir esse tema (o da propriedade) aqui:

http://www.blogger.com/comment.g?blogID=11334150&postID=8120141873513915166&isPopup=true

Acho que os comentários estão mais engraçados que o texto inicial.

Se quiserem participar na discussão, apareçam.

João Vasco disse...

E sobre política americana, a Cristina pode estar interessada nisto:

http://esquerda-republicana.blogspot.com/2008/10/democratas-republicanos-e-economia.html

gorkiana disse...

João Vasco, primeiro que tudo o link que mandaste acho que está errado, é um link para a listagem de comentários de um blog. Não dá para ver que blog é, nem que post é.

Quanto ao Marxismo, não concordas com o quê do Marxismo? Não concordas com a teoria do valor e com a sua explicação do sistema capitalista?

É que me parece é que não concordas com o comunismo e isso são coisas diferentes.

-artur palha

Anónimo disse...

So queria deixar uma coisa clara: o meu comentario inicial nao era sobre a america em si, era sobre a reaccao de alguns emigrantes a estranheza de outro pais. A comunidade em que estou e protegida e portanto a critica habitual da comida e das pessoas nao e mais valida quando aplicada a este contexto, parece-me.

So um pormenor: O facto de esta ser uma sociedade com umas estatisticas brutais de obesidade e patente nas ruas, nos precos da comida e na televisao.

E, sim, e uma sociedade de extremos onde a critica contra o obama ainda e (como ouvi hoje num comicio da Palin, por entre os apoiantes republicanos) que ele e preto.