Eu sei que isto é clichet, mas vou começar o post assim: faltam cerca de duas a três horas para sabermos os resultados das eleições mais mediáticas do momento. É claro que, como o resto do mundo, estou à espera.
Já consumi o lixo da cnn e do new york times, que fazem notícias sobre as notícias que não aparecem. Sem surpresas, ainda não se sabe quem é o vencedor. No entanto, aqui, na pátria da liberdade e da democracia (nos EUA, a pátria da igualdade democrática é a América, esqueçam a França, devaneio de europeus), americanos com a lágrima ao canto do olho falam da nação, de patriotismo e mudança. Até a Palin acha que é tempo de mudar. Cá para mim, é emoção a mais.
É óbvio que estou a torcer pelo Obama. Confesso que até gosto do tipo. Mas ele é tão magrinho, novinho, (bem-pago?), coitadinho. O que pode ele fazer?
Espero que pelo menos seja o fim da américa radical cristã. Que deus seja deixado em paz e que o sexo deixe de ser considerado pecado nacional para os não-casados.
Que haja mais parlapié, conversa, efectivas negociações com as Nações Unidas (esse pormenor).
E vamos a ver o que acontece no Iraque. E no Irão.
Mas esta campanha não foi só histórica para os afro-americanos: foi o meu ritual iniciático na política made in USA. Não estava à espera, mas fiquei desiludida.
Voei para a américa inspirada pelo título do livro "the audacity to hope" do Barack. Isto cheirava-me a pessoas racionais e altruístas, a um nível de discussão elevado, à política de ideais públicos.
Ah! É óbvio que me esqueci que os candidatos são feitos por quem os paga (as empresas que receberam os 700 bilhões de dólares). E, depois de ver a Palin, a Obama e o McCain em discurso directo; depois de ver como as eleições são engendradas por tipos como o Rove, a minha esperança inicial resume-se a esperar que ganhe o menos mau. Que é como quem diz, o menos branco.
A américa tem muitas coisas boas, mas tem fraquezas que a tornam mais susceptível de eleger tipos como o Bush:
: Só tem dois partidos. É óbvio que há mais candidatozinhos (incluindo o Nader) a concorrer. No entanto, estes são tão marginais que só por engano é que se tropeça neles. Infelizmente, já soube que em Portugal também se está a cozinhar um esquema que limita o número de candidatos e ideias. É pena.
Existe um modelo económico - o modelo de Hotelling - que prevê que, numa praia que se estende de 0 a 1, dois vendedores de gelados que queiram maximizar os lucros se situem exactamente no meio*. Isto serve de metáfora para tudo e mais alguma coisa, desde localização de lojas numa rua, convergência de canais de televisão, até uniformização de candidatos.
: Aqui existem os issue-voters. Isto são pessoas que acreditam tanto em algumas coisas que o seu voto é determinado pela posição do candidato em relação ao aborto ou à discriminação gay. É óbvio que estes votantes são altamente manipuláveis por "Smear campaigns" sem escrúpulos. A vitória do Bush em 2004 (e em 2000, quando se afirmou contra o McCain como candidato republicano) é em parte devida à exploração desta fragilidade (por tipos como o Karl Rove).
: A abstenção é imensa. Votação recorde quer dizer que, se calhar, votam 64% hoje. Nas últimas eleições, votaram cerca de 54%. Isto quer dizer que fanáticos excitados como os issue-voters podem deitar tudo a perder. (Em Portugal, em 2005, para a AR, abstiveram-se 35% das pessoas - não sei se estes números incluem pessoas que não se registaram).
http://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_indicadores&indOcorrCod=0001684&selTab=tab2
: Numa nação agarrada à TV, a quantidade de dinheiro que se consegue angariar para fazer anúncios é decisiva. Quem mais aparece, mais ganha. Se for em prime-time, melhor.
: Num derradeiro afastamento da racionalidade, a personalidade, família e integridade do candidato, aqui, são da mais extrema importância. As mulheres dos candidatos são figuras públicas. Os filhos também aparecem nos comícios. Não me parece que candidatos divorciados tenham muito saída, coitados.
: É um país enorme, com pouco tempo para ver notícias. Daqui sai que a complexidade de um programa eleitoral só a custo pode ser digerida pelo americano comum.
É também um país dividido. A maior parte das notícias (tirando a Fox) é escrita por democratas. Cheira-me que é por isso que a Palin é vista como uma escolha tão negativa. Na verdade, depois do Obama, ela é a pessoa que atrai mais pessoas para comícios.
Enfim, god bless us all.
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4 comentários:
Olá Cristina!
Parece que venceu o "menos mau", como se esperava.
«Isto cheirava-me a pessoas racionais e altruístas, a um nível de discussão elevado, à política de ideais públicos.»
Nestas eleições a minha surpresa foi a oposta. Tudo aquilo que esta campanha teve de mau - a importância do dinheiro, a manipulação, a propaganda, os rumores, o Karl Rove, e tudo mais - já conhecia por ter acompanhado com interesse as duas eleições em que o Bush ganhou.
Mas nestas eleições o meu interesse começou logo nas primárias. E aí sim vi um nível de debate muito interessante: todas as propostas explicadas, todas as posições escrutinadas, os discursos feitos para quem percebe de política e tem dois dedos de testa.
Mas quando as eleições se viraram para os indecisos e não para as bases, as ideias tornam-se "muito complicadas" e a retórica barata é mais persuasiva. As bases já estão convencidas, de qualquer forma (tirando para o McCain, que teve de chamar a Palin).
Ou seja: o programa eleitoral importa e é muito escrutinado nas primárias. Depois, se não for extremamente radical, é irrelevante face à propaganda que determina o resultado das eleições gerais.
Não é um sistema muito bom, mas tinha uma ideia tão negativa, que a minha surpresa foi contrária à tua.
Bem, acho que tens razão.
Mas também me parece que as primárias não são assim o paraíso. No outro dia vi um documentário sobre o Obama. Entre várias coisas, focou a polémica do reverendo Right. Em todo o caso, fiquei um pouco chocada com o comentário de uma mulher de que não me lembro a profissão mas que parecia séria :P:
"na campanha clinton ficou toda a gente devastada com aquelas filmagens... pensavam: mas como foi possível deixarmos escapar este filão???"
só para explicitar mais coisas sobr o karl rove - um documentário brutal - inteligentíssima política americana ou como manipular uma vitória
http://www.pbs.org/wgbh/pages/frontline/shows/architect/
http://www.pbs.org/wgbh/pages/frontline/shows/architect/
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