segunda-feira, 16 de junho de 2008

No artificial anything

(A frase é emprestada dos iogurtes da Danone cá do sítio)

Bem, passou uma semana. Já fui a uma festa, ajudei a montar uma casa e tenho saído com a malta tuga. Passeei pela downtown e já tenho mapas.
Mas continuo a sentir-me com pressa. Com pressa de ter uma vida normal. De ter referências. Coisas básicas que só notamos que se foram embora quando já não as temos...
Saber quais são os transportes para onde, e mais ou menos quanto tempo se tem de esperar. Quando é que fecham as coisas (aqui, 10 da noite é tarde para jantar). Estereótipos que simplifiquem a vida. Quais é que são as zonas perigosas que se devem evitar. Quem é perigoso.
Onde é que se vai quando se quer ir a qualquer coisa. Sei lá. Saber quem são os teus amigos.

Também começo a interiorizar que a cultura, sei lá, o contexto é pura e simplesmente diferente. Isto é, muitas das coisas que valorizo enquanto europeia (e que enunciaria como fundamentais para considerar um país desenvolvido) aqui não são assim tão importantes.

Para ter mobilidade é preciso carro. (E não existem carros pequenos à nossa escala.) A rede de transportes públicos não chega aos calcanhares do metro, nem tem a cobertura da Carris.
Comer bem aqui, sai relativamente caro e mais caro que no nosso país. Isto é, mac'donalds é mais barato que fruta (e para perceber o que leva o pão é necessário um curso - tanta m#, meu Deus!)
O aquecimento das casas é extraordinário de ineficiente. O ar condicionado gela no Verão (literalmente) e no Inverno pode-se andar de t-shirt nos edíficios (enquanto neva no exterior).

Por outro lado, há coisas que admiro. Parece que tudo aqui funciona. E as pessoas são simpáticas porque sim. Sorriem e são prestáveis, não porque sejam tuas amigas ou porque gostem de ti, mas porque sim. Na generalidade das interacções que tenho observado impera a cortesia. Mesmo inesperada.
Hoje, no supermercado, houve um problema qualquer com o pagamento dos dois tipos à minha frente. Estes tipos tinham ar de quem pertencia aos gangs dos filmes, além de terem mais dois palmos do que eu. Eram Grandes. Mas nem levantaram a voz à cashier, nem a baixaram. Pareciam estar a tentar encontrar uma solução.
É claro que parte deve ser devido ao facto de isto ser uma small-town (cerca de 300 mil pessoas, de acordo com Wiki) mas não deve ser só isso.

Enfim, fiquei com sono. Boa noite.

7 comentários:

Anónimo disse...

Vim de Madrid ontem. Estive lá de 5ª à noite a 2ª de manhazinha. Fui ter com o Rui,com quem fiz o liceu e com quem vivi 3 anos cá em casa. Foi muito bom mas muito estranho. Muitos copos, muitas pessoas novas (os companheiros de casa e os amigos do Rui) e uma outra cidade. Da ordem de grandeza de Lisboa, mas maior, muito maior. Acima de tudo em possibilidades. As pessoas que aqui encontrei não vivem com o nosso stress do guito (da falta) e do futuro laboral/económico...
Uns orientadíssimos em carreiras bué exigentes, outros com vários biscates, quem dão de comer enquanto se perseguem sonhos, por ora não remunerados,com a leveza de quem sabe que se a cena não funcionar ou se se não estiver a gostar, há sempre outra coisa para fazer.
No sábado tive um jantar bué esquisito. Foi tipo jantar de embaixada tuga, e só por 2 pessoas em 8 que não era jantar de embaixada Aveirense. Tudo gente que não volta para Portugal. Todos do meu ano, todos do meu Liceu. Todos que foram embora porque aqui as coisas não pegavam... Eu fico triste com isso. Elas não me pareceram. Espero que assim o seja.

Fiquei muito feliz, de ver o Rui, o eterno errascado com a guita, quase mãos largas... com a ideia de daqui a menos de um ano estar já a viver da sua actividade musical. Haja esperança! Quem diria, cá 8h de trabalho por dia, 700 e picos de salário e hipótese quase nula de viver da música. Lá, ao fim de 1 ano e meio, com 4 horas de trabalho diário, cerca de 1100eur mensais, contracto, 13º e 14º mês, que usa, não pra precaver as "férias" forçadas dos recibos verdes, mas sim pra ir de férias 1 mês pr'os Açores e comprar 1 mesa de mistura!

Os espanhóis adoram a rua de uma maneira que me dá inveja. Tudo quanto é quadradinho de relva tem uma molhada de hermanos deitados e ao domingo, o dia típico ter só haver moscas nas ruas lusas, está pejado de olés em esplandas a apanharem a tosga da tarde, a comerem comida com litros de castrol e a falarem que nem matracas! Haja espírito

Bisous,

a.

Anónimo disse...

hum... que retrato! Um misto de saudade, mas, esperançoso...

Anónimo disse...

a cris deixou o comentário acima!

Guillaume Riflet disse...

Comentando a Cris primeiro:
Tás a reparar naquilo que senti também nas poucas semanas que tive nos states: "as pessoas são mais simpáticas porque sim". Eu tenho algumas ideias sobre isto, mas basicamente queria adiantar mais umas premissas: "as pessoas são mais prestáveis porque sim" e "as pessoas são mais pro-activas e de boa-fé porque sim". Tenho uma teoria em duas partes que justificam as premissas. 1a parte: em portugal o fascismo + a selecção natural decretaram que a cultura de "mais vale não ajudar, não falar, não me envolver com estranhos, nem com pessoas com ideias esquisitas" seria a cultura vencedora do regime. Essa cultura não caiu com o 25 de Abril. Nem pouco mais ou menos. E não estou a ver mudança com a malta jovem (LEFT à parte, e eu dei um empurrãozinho nisto e o Guimas tb, e todos ajudámos. O problema é que me sinto inadaptado a uma escala fora do curso). E depois todos acham que sou esquisito! Que merda de cultura. Tenho mesmo pena de viver em pt-lx. 2a parte: o pro-activismo, a iniciativa e a meritocracia estão na base do Sonho Americano e são super-valorizados!! E com estes valores assimilados, temos pessoas muito mais prestáveis e mais simpáticas. Sabiam que os empregados de mesa vivem quase exclusivamente das gorjetas (em regra 15 a 20% da conta)? Cada pessoa que conheces na rua pode um dia dar-te uma gorjeta ou dar-te um emprego. As pessoas acreditam nisso. Isso é fundamental de compreender. Viva 95% dos americanos (os indianos, os chineses, os japoneses, o coreanos, os asiaticos, os tugas, os italianos, os irlandeses, os francius, os chicanos, os porto-riquenos, os cubanos, os afro-americanos, os nativos americanos, etc...) que abraçaram essa cultura e que acreditam nela e que fazem a américa forte. Os 5% WASP são os conservadores que estão no poder, e que são bem piores que o Salazar.

Guillaume Riflet disse...

Comentário à a. stipouff:
Yup yup, Portugal está enrascado sem oportunidades para os seus jovens licenciados. Estamos a ser uma geração de canudos sem saída. É o que dá quando 80% dos papás que estão no comércio só servem cafés e comida e querem que os seus filhos sejam doutores. Há aqui uma incongruência. Esquecem-se de dizer que primeiro terão que aprender a criar e fundar hospitais, e empresas tecnológicas, e unidades de pesquisa, antes dos filhotes poderem ter emprego. Teremos que ser nós a construir as casas dos doutores porque os nossos pais ou sabem cavar (e isso ainda hoje é muito importante!!!), ou sabem levar baldes de massa, ou sabem servir cafés.
Finalmente quando aos empresários, como o Patrick de Barros, são-lhes negadas as suas ideias que dinamizariam Portugal (central nuclear, alargamento do porto de Sines) por laxismo da nossa era pós-fascismo, temos todas as condições para querermos ser espanhóis!

Anónimo disse...

Comentário ao primeiro comentário do Guillaume:
acho que é isso mas é mais do que isso. Não é só a nossa mentalidade pós-fascista, é também o peso da História e o momento histórico em si.
A américa é uma nação relativamente jovem ainda a viver no brilho da primazia mundial. Os americanos não foram ainda ensinados que depois da tempestade vem a bonança e depois da bonança a tempestade. Que não vão ser primeiros sempre. Não é por nada que os filmes americanos acabam todos bem (ao contrário dos block-busters asiáticos). A américa, pura e simplesmente, ainda não msentiu o sabor da derrota. E isso não se pode ensinar.
Parece-me que esse ambiente se entranha depois nas pessoas.
Cada nação europeia tem uma história demasiado intrincada para a população se conseguir embalar na lógica linear da meritocracia (que no fundo assenta num optimismo em relação ao individualismo).
As coisas são mais complicadas que bons e maus, preguiçosos e pro-activos. Parece-me que essa consciência só vem depois de nos esforçarmos e perdermos (a independência, a primazia, etc).

Anónimo disse...

Isso não impede que não concorde com o segundo comentário do Guillaume (sobre a asfixia que se sente em Portugal; apesar de não nos podermos esquecer que se os com canudo estão mal, os outros estão pior - portanto, dentro do nosso pequeno mundo, nós somos uns privilegiados).

Sim, o nosso país é pequeno, empurrado de encontro ao mar...