sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

My name is Winter, Cold Winter.

Amigos, por aqui faz frio. Muito frio.
Estão cerca de -15º Celsius, e com os factores de ajustamento devido ao vento, os peritos metereológicos dizem que isso equivale a -25ºC. Duas dezenas atrás do Zero. Epá. É muito. É demais.

Este frio infiltra-se no corpo e no espírito. A cara arde quando se anda na rua. O nariz doi. Mesmo com luvas, os dedos parece que se vão partir. As pontas ficam queimadas e doem no dia seguinte.
A percepção do tempo agudiza-se. Pequenos momentos parecem tormentos intermináveis e noutros pequenos instantes é o paraíso que desceu à terra.
Encontrar a chave de casa e abrir a porta do prédio é um pequeno e diário tormento de Tântalo. À beira do paraíso, o frio parece mais frio.
Entrar em casa e sentir o calor a entrar no corpo é um precioso milagre da civilização moderna.

Qualquer minuto na rua é um minuto a mais.
Como compreendo agora a tradicional reserva sueca, norueguesa e finlandesa. Quando está muito frio, só muito poucas e muito boas razões nos fazem sair de casa. Não é qualquer meio-conhecido que nos arrasta para o Bairro. Com tanto frio, só a certeza do reencontro com bons e velhos amigos nos faz suportar a geada. E abraços e outros gestos de afeição tornam-se mais difícieis por cima de várias camadas de roupa. Além de difíceis, são desconfortáveis, porque esticar o corpo com abraços e deixar a pele a descoberto é um convite ao arrepio.
A casa tem outro significado. Solidão aconchegada é o que sabe melhor quando faz frio.

Nunca pensei pensar assim. No Verão, às vezes tinha conversas com os meus amigos pittsburghianos sobre o Inverno. O que se fazia, o quê, como e onde. Espantados, diziam-me "Está frio! A única coisa que apetece é ficar em casa.". Pensei que toda a gente fosse assim menos eu.
Enganei-me.

A única coisa bonita é a neve. Ainda não me cansei. Por aqui neva muito, e de várias maneiras. Às vezes neva chuva congelada e percebe-se que os flocos são pesados. Outras vezes neva suavemente, e cristais brancos invadem as ruas e tornam o ambiente mais natalíceo e mágico. Depois de pairarem no ar, param no pelo das luvas e consegue-se perceber a sua preciosa estrutura de pequenas estrelas. Outras vezes nevam flocos grandes e leves, torrencialmente. Tapam tudo de branco. Vêm-me à memória as Páscoas que passava com os meus pais na Serra da Estrela e sinto-me bem e em casa.

É assim que está a ser o meu primeiro Inverno americano. Branco, e difícil.

domingo, 11 de janeiro de 2009

Qualifiers and ski

Na semana passada tive que fazer, como qualquer aluno num doutoramento americano, os qualifiers. Os qualifiers qualificam o aspirante a doutor a permanecer no doutoramento. Para mim, consistiram em 1 exame por dia numa semana (tirando um dia de intervalo), testando os meus conhecimentos das matérias (todas) que aprendi durante um ano e meio. No seu melhor, foram feitos de perguntas inteligentes e justas que até é interessante responder. No seu pior, tinham rasteiras mazinhas e mesquinhas que me tiraram a concentração, de tal forma me senti injustiçada pela pergunta.

Em todo o caso, os qualifiers rodeiam-se sempre de angústia e nervosismo. É difícil não pensar nas consequências destes exames. Ao contrário de outros testes, nos qualifiers não se tem nota. Ou passas ou chumbas, e se chumbares tudo o que fizeste no doutoramento é irrelevante. Vais para casa e arranjas um trabalho. Morreste na praia. Adeus e não há próxima.
É claro que exagero. Isto é só o que se pensa no início dos exames. A sequência de exames é tal que, mais ou menos a meio da semana, é difícil manter a lucidez. O estado de espírito passa de um nervosismo produtivo a um "Fuck it" doentio. A cada dia que passa é mais difícil estudar.

Enfim, depois desta semana tive a boa ideia de ir esquiar para celebrar. Boa ideia porque percebi que há uma coisa ainda pior que os qualifiers: andar de ski. Mil vezes outra semana de exames do que descer uma colina de skis. Mil vezes.
Só andar com as botas de ski é um pesadelo. São como armaduras de gesso que não deixam a perna mover bem. Botas de ski e skis, pior um bocadinho. Mas o pior, pior é mesmo botas de ski em skis em cima da neve. Não percebo.
O meu jeito típico para desportos veio mais uma vez ao de cima. A minha coordenação motora, exímia em cima de terra firme, mais exímia ficou em cima de gelo escorregadio. Em três incursões na neve, consegui chocar: i) contra o meu namorado; ii) contra uma fila de pessoas; iii) contra o meu namorado outra vez.
Fiquei exasperada. Comecei a antagonizar a neve. Nervosa, ansiava por terra firme. Ainda pensei, à Obi Wan, "Tu e a neve são um, insere-te no movimento". Qual quê. A neve era uma, eu outra, e via-se quem era mais inteligente. A neve ria-se às gargalhadas enquanto eu andava atormentada com visões de skis a enfiarem-se por tudo quanto é orgão sensível, com joelhos e pernas torcidas.

A boa notícia é que comprei umas luvas hiper-super-cromas. E que se tiver que fazer qualifiers outra vez, pensarei: "pelo menos não é ski".

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

American spirit

Posso resmungar porque a comida é esquisita, suspirar de saudades porque poucas pessoas aqui fazem parte da minha família, posso ansiar por ar a saber a maresia, mas a verdade é que gosto mesmo de estar aqui.

Das coisas que é mais fascinante na América, sobretudo para uma portuguesa habituada a burocracias lusas, é a eficiência americana.

Isso não quer dizer que não sejam feitos erros. Mas quer dizer que as instituições transpiram um ar de competência que ampara o recém-chegado. Não se perde tempo à procura de gabinetes, as pessoas saudam-nos de chaves nas mãos.

Tive um recente exemplo disso ainda hoje. A FCT atrasou-se a fazer o pagamento da propina. Quando pagaram já as multas iam altas. No meu departamento trataram de tratar das multas. Fiz então uma transferência em Dezembro que ainda não chegou (porque, descobri hoje, houve um engano com o meu nome). Isto é mais tarde que tarde, para prazos americanos. Comecei a receber e-mails do meu departamento por causa da transferência de que não havia notícia (só na minha conta, onde tinha sido debitada).
Tive pesadelos. Na minha cabeça toda a gente sussurrava sobre o meu incumprimento mentiroso. O meu orientador perguntava-me "show me the money" com ar severo.

Hoje, tudo se resolveu ao mesmo tempo. Vou ao serviço de pagamento da minha universidade onde, após confronto com o recibo da transferência, se apercebem que fizeram um erro na atribuição do nome. Com algum pesar, dizem-me que vão fazer o tudo por tudo para ter tudo pronto amanhã, mas que, se calhar, só para a semana me posso registar. O próprio senhor que me atende diz que vai tratar do meu problema. Acredito. Sem saber disto, no meu departamento, as secretárias tinham tratado de meter uma bolsa para mim, para eu me poder registar. Hoje, com orgulho, disseram-me que tinham tratado do meu problema (sem eu lhes pedir).
Tinha confundido preocupação com castigo. A minha alma tuga tinha interpretado os e-mails como perseguição. Não. Elas podiam não estar preocupadas comigo, mas cada um aqui está fundamentalmente preocupado em fazer o seu trabalho. É, de facto, algo que senti quando cheguei aqui.
Existe um optimismo no ar. A senhora que encomenda os tinteiros da impressora está profundamente ciente da importância do seu trabalho. Que é fundamental para o resto do departamento funcionar. Toda a gente se trata por tu. Quando um problema existe, é atacado por todos. Os prazos para acabar qualquer coisa são dias, e dois dias é muito. Cada um se orgulha de fazer o seu trabalho o melhor possível. E do meu orientador (a estrela do departamento) para baixo toda a gente se justifica quando isso não acontece.
A secretária que meteu uma bolsa para mim estava de facto contente com o ter-me ajudado. Nunca suspeitou da minha palavra ou honestidade. E, no fundo, ficou orgulhosa de ter resolvido um problema que também era o dela.

Isto tudo contrasta com aquilo que conheci no técnico, enquanto aluna e trabalhadora. Quando existe um problema, ou encontras um simpático que o resolve ou são semanas (indeterminadas) até o assunto se encerrar. Os senhores da secretaria são antipáticos. Um problema é sempre de ninguém.
Aqui o sistema de recompensas é diferente.
Mas não é só isso. Parece-me que a relação dos americanos com o fracasso é fundamentalmente diferente da conturbada relação lusa. Quando existe um problema, ele aponta vergonhosamente para a nossa culpa de incompetentes. Envergonhados, ocultamos o problema e fazemos de conta que não é nosso. Algo que não funciona diz-nos que somos maus e feios. O problema é nosso.
Os americanos não se identificam com o fracasso. O paradigma americano é outro. Na terra cornucopiamente rica da América, existe suficiente de tudo para todos. Como tal, existe uma crença fundamental na meritocracia e competição. No seu melhor, isso diz que cada um é capaz de qualquer coisa porque existe suficiente para todos. O fracasso é natural para aqueles que tentam. E isso é bom. Quando se falha também se aprende. Os americanos identificam-se com a capacidade de solucionar.
Isto é patente nestas pequenas coisas (cada um, do senhor da secretaria às secretárias do meu departamento, se responsabilizam por resolver o meu caso particular) e noutras coisas mais gerais também.
Como sabem, estudo empreendedores. E uma das coisas que se verifica é que o estigma do fracasso varia com o país do Looser. Portugal é dos países onde o estigma é mais exacerbado. A América é o contrário.
E eu noto que reajo de maneira diferente dos meus colegas americanos. Numa leitura sobre diferenças culturais aquando da integração de uma empresa america com outra alemã referia-se que os alemães tiveram que adoptar a prática america de declarar experiências falhadas. E que isso foi feito com muito desconforto. Eu, lusa com super-ego católico, compreendi muito bem os alemães, coitados. Mas, na aula, uma colega americana referiu o contrário "o quão estúpido que é não declarar os falhanços! Como é que alguém pode não deixar de o fazer".

É claro que também existem os mal-educadinhos. Mas em menor quantidade. Aqui, reza o mito, ser bom naquilo que se faz é ser tudo.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

2009

Adiar paga-se caro.

Não que não tenha gostado de passar a passagem de ano num táxi, a caminho de casa, com o Jossan, jordanês emigrado nos states, é só que... hum, podia ter sido algo mais.
O meu companheiro de viagem estava farto dos alegres clientes que pediam boleia na downtown de pittsburgh e por isso resolveu vir pescar pessoas no aeroporto.
Apanhou-me a mim.
Depois de um voo de 15 horas, que implicou (tentar) estar acordada durante cerca de um dia e 3 conecções de aviões, formei a seguinte resolução de Ano Novo: marcar viagens de avião com dois meses de antecedência. No mínimo.

Fui de Lisboa para Nova Yorque, e de NYC para Houston para ir para Pittsburgh. Que é como quem diz, vim de Nova Yorque para o Porto, para ir para Copenhaga para voltar a Lisboa. É a vida dos atrasados despachadinhos.

O primeiro avião foi fácil.
O segundo avião foi agonizantemente lento.
No terceiro avião acordei estremunhada sem saber se ia ou voltava de Lisboa.
E depois cheguei e tive que carregar a mala.
Que era pequenina mas gordinha, tinha comido todos os livros possíveis. Com a pressa e a angústia de perder os aviões nas escalas, fiz uma mala maneirinha que não tinha que ir para o porão. Não era preciso. Ao passar pela imigração vazia de Nova Yorque pensei "Bolas, tanta rapidez, bem que podia ter trazido o bacalhau". Fica para a próxima.

E o vosso ano novo, como foi?