quarta-feira, 20 de maio de 2009

Life for loan

Uma coisa que aprendemos desde que somos pequeninos e a gerir a guita, massa, ou carcanhol. Imitamos, interiorizamos (por muito que nos custe admitir) os modelos mais proximos, eufemismo para papas. Mas aquilo que sempre me pareceu muito racional dado que envolve numeros e, as vezes, folhas de excel, parece-me agora reflexo de uma maneira de pensar o dinheiro.

Porque o dinheiro, na america, pensa-se de maneira diferente que o dinheiro europeu.
A diferenca e o credito.
Aqui o credito conta como dinheiro.

Ha um sketch do saturday night live em que um pseudo-professor ensina um casal de americanos a gerir dinheiro. O mote e: "If you don't have money, don't buy it!". Primeiro pensei que o sketch fosse exagerado, pouco criativo, sensaborao e sem piada.
Mas depois vi uma entrevista na CNN a uma mulher que, em 3 anos, pagou 46.000 dolares de divida as companhias de credito. Ela sempre tinha sido ensidada que, desde que conseguisse pagar as televisoes e carros a prestacoes, estava ok. Bastou uma doenca para as prestacoes se atrasarem e a divida acumular. (E, presume-se, ela perceber que nao era assim tao ok ter a vida a prestacoes).
Este caso saiu na CNN porque e um caso de sucesso. Raro. Porque todos os outros, aqueles que foram ensinados como esta senhora, mas que nao conseguem ter tres trabalhos sem fins de semana (aquilo pelo qual ela passou durante 3 anos) vao parar a associacoes como esta: Devedores anonimos.

O credito aqui e uma segunda natureza. Um americano de classe media era assediado com toneladas de credit card applications, daquelas que dizem 0 juros em parragonas, mas que, em letras pequenas, mostram taxas variaveis a volta de 25-30%. Eu vi (com os meus olhos que a terra ha-de comer) estes golpes publicitarios. E eu, uma engenheira a tirar um doutoramento, nao consegui determinar qual a taxa de juro exacta que se aplicava a mim. Mesmo lendo com esforco as letras pequeninas.

E, depois de avaliar a enormidade de credit applications com que um americano era assediado, percebi finalmente que, epa, a crise economica nao e assim tao surpreendente. Apesar de nao conseguir compreender todos os detalhes da questao, aquilo que percebo e: rebentou-se a bolha de produtos financeiros feitos a partir de produtos financeiros feitos a partir de produtos financeiros de alto risco (ie, baseados em pessoas que nao conseguiam pagar) e foi um ver se te havias, uma derrocada financeira tipo domino.

Uma questao lateral e este conceito da vida a prestacoes. Pagar 100$ agora adiantado e ter que pagar entre 1/4 e 1/3 a uma companhia que financia um estilo de vida insustentavel. Uma familia de classe media estar amarrada a uma aparencia futil enquanto a riqueza real 'e pouca ou nenhuma e esvai-se como areia por entre televisoes e carros novos (porque a america esta cheia de carros novos, grandes e luzidios). E o mesmo conceito por detras de todos os sistemas de classes. O esforco de uma classe sustentou os de sangue azul, os mais nobres, e, agora, os mais espertos.

A mobilidade social nao e assim tao movel, afinal. A educacao de massas tem funcionado como equalizador social, a pouco e pouco, claro, como sao todos os processos geracionais, mas a ilusao de uma sociedade meritocratica e mantida sobretudo por umas quantas estatisticas improvaveis chamadas Bill Gates.

E aquilo que ainda e mais estranho, e como e tao natural tudo isto. Meter a vida a prestacoes para ter a casa cheia de coisas.

PS: ha pouco tempo o Obama mandou fazer um novo regulamento para companhias de credito. Segundo me disseram, o regulamento regula a fonte, o tamanho da fonte e a legibilidade de panfletos que divulgam credito. So para perceberem o quao tragi-comica era a situacao. Artigo do Wall Street Journal.

1 comentário:

Guillaume Riflet disse...

Oi Cris,

excelente peça!

Ainda bem que conseguiste interiorizar o fundamental que o conceito de ir buscar o dinheiro ao futuro só funciona se as expectativas forem realistas. Senão há um grande crash. E como sempre, o Homem tem sempre tendência a ter expectativas acima do realista.

Também é só para te lembrar que em Portugal também há muitos carros novos em circulação e pagos a crédito. (Já me chamaram de psicopata por ter um ter carro de 1992 e estar feliz por isso).

O crédito tem que ser muito conservador por natureza. Nessas circunstâncias, as coisas correm bem. E o banco que emite o crédito tem que ser extremamente cauteloso. Os bancos hoje em dia não são nada cautelosos.

Beijinhos