sábado, 5 de julho de 2008

Random conversations about phone conversations

Uma das coisas que não estava à espera que fosse mais difícil nas Américas, foi a conversa telefónica. De facto, reconheço agora, do alto do meu mesito de experiência emigrante, que subestimei o telemóvel enquanto possível gerador de confusão existencial.
Aparentemente inocente, a conversa telefónica americana pode tornar-se espinhosa, ansiogénica e, em casos extremos, fazer uma emigrante inteligente parecer... digamos, parva mesmo [claro que isto não se aplica a mim*]:

As razões são várias:

1. Os expatriados têm sotaques que não se aprendem na escola.
Falar pelo telefone em inglês implica falar com emigrantes. Implica contactar com toda uma variedade de sub-sentidos, sub-sons e sub-piadas que, se consigo apreender [ou fingir que consigo] numa conversa presencial, não me deixam outra hipótese senão responder com um "Uh... Say that again?" meio tonto no meio de uma conversa telefónica.

2. As regras de conversação são diferentes.
Uma vez a Clélia riu-se dos portugueses dizerem "com licença" quando desligam o telefone. Nunca me ri porque, como boa tuga, sempre me pareceu normal dizer "com licença" antes de cortar as vazas à voz de alguém. Agora, mais do que normal, tenho a certeza que é útil. Já não é a primeira vez que fico a dialogar com ninguém, no meio (afinal era o fim) de qualquer coisa. Aqui não se avisa que se vai desligar. Adeus, bye, ok, e trás, cai a comunicação.

3. O telefone também fala, e é numa língua diferente.
O ruído de fundo da conversa não soa ao mesmo. Assim, é mais difícil perceber quando o outro desligou. Associado a 2, isto potencia os já referidos diálogos feitos de palavras que, afinal, nunca disse.
Por outro lado, o ruído de espera - "o Triiiiiiiiiiiim Triiiiiiiiiiiim" que nos diz que ainda não é agora que somos ouvidos - é diferente. O volume é mais baixo, e a frequência mais grave. Quando telefono para Portugal "o Triiiiiiiiiiiim Triiiiiiiiiiiim" volta ao mesmo, a indicar-me que já estou em território nacional.

4. As regras do mercado são diferentes.
Paga-se por receber e fazer chamadas. E não encontrei cartõezinhos recarregáveis, mas sim pacotes de minutos. É tudo gratuito ao fim de semana e às noites.
Ainda não estou há tempo suficiente para saber se isto tem um impacto significativo nas relações. Mas é claro que poderemos fazer várias conjecturas... Será que o facto de ser igualmente caro receber e fazer chamadas facilita a resposta a todas os telefonemas, dificultando a percepção do significado emocional da chamada perdida? Será que na Europa os constrangimentos da rede fazem com que o europeu normal tente só retornar as chamadas de pessoas com muito significado emocional? Será que o facto de o pacote de minutos ter de ser gasto no próprio mês aliado a uma mentalidade "eu quero tudo a que tenho direito" aumenta o número de chamadas a pessoas a quem, de outra forma, nunca ligaríamos? Se sim, será que isto nos confronta com a surpresa do outro e alarga o nosso círculo de relações satisfatórias, contribuindo para a felicidade em geral, ou será que enche o tele-ciber-espaço de lixo e boatos que nos fazem perder a fé na espécie humana?


* se por não ser inteligente, se por nunca poder ser confundida por parva fica a cargo de vocês decidir.

PS: entretanto, este post foi interrompido comigo a rir com o Rodrigo (meu companheiro de casa) até às lágrimas devido a este vídeo:

http://www.youtube.com/watch?v=HRhWXu93WFw

1 comentário:

Ana Mourao disse...

Achei essas reflexões fantásticas! Mas o ponto 4. em especial, pelo seu puro carácter antropológico ;)

Daria mesmo uma tese de doutoramento muito interessante (quiçá alguém terá já pensado nisso?) Se isso na CMU não resultar, tens o futuro assegurado em Ciências Sociais! :P