quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

American spirit

Posso resmungar porque a comida é esquisita, suspirar de saudades porque poucas pessoas aqui fazem parte da minha família, posso ansiar por ar a saber a maresia, mas a verdade é que gosto mesmo de estar aqui.

Das coisas que é mais fascinante na América, sobretudo para uma portuguesa habituada a burocracias lusas, é a eficiência americana.

Isso não quer dizer que não sejam feitos erros. Mas quer dizer que as instituições transpiram um ar de competência que ampara o recém-chegado. Não se perde tempo à procura de gabinetes, as pessoas saudam-nos de chaves nas mãos.

Tive um recente exemplo disso ainda hoje. A FCT atrasou-se a fazer o pagamento da propina. Quando pagaram já as multas iam altas. No meu departamento trataram de tratar das multas. Fiz então uma transferência em Dezembro que ainda não chegou (porque, descobri hoje, houve um engano com o meu nome). Isto é mais tarde que tarde, para prazos americanos. Comecei a receber e-mails do meu departamento por causa da transferência de que não havia notícia (só na minha conta, onde tinha sido debitada).
Tive pesadelos. Na minha cabeça toda a gente sussurrava sobre o meu incumprimento mentiroso. O meu orientador perguntava-me "show me the money" com ar severo.

Hoje, tudo se resolveu ao mesmo tempo. Vou ao serviço de pagamento da minha universidade onde, após confronto com o recibo da transferência, se apercebem que fizeram um erro na atribuição do nome. Com algum pesar, dizem-me que vão fazer o tudo por tudo para ter tudo pronto amanhã, mas que, se calhar, só para a semana me posso registar. O próprio senhor que me atende diz que vai tratar do meu problema. Acredito. Sem saber disto, no meu departamento, as secretárias tinham tratado de meter uma bolsa para mim, para eu me poder registar. Hoje, com orgulho, disseram-me que tinham tratado do meu problema (sem eu lhes pedir).
Tinha confundido preocupação com castigo. A minha alma tuga tinha interpretado os e-mails como perseguição. Não. Elas podiam não estar preocupadas comigo, mas cada um aqui está fundamentalmente preocupado em fazer o seu trabalho. É, de facto, algo que senti quando cheguei aqui.
Existe um optimismo no ar. A senhora que encomenda os tinteiros da impressora está profundamente ciente da importância do seu trabalho. Que é fundamental para o resto do departamento funcionar. Toda a gente se trata por tu. Quando um problema existe, é atacado por todos. Os prazos para acabar qualquer coisa são dias, e dois dias é muito. Cada um se orgulha de fazer o seu trabalho o melhor possível. E do meu orientador (a estrela do departamento) para baixo toda a gente se justifica quando isso não acontece.
A secretária que meteu uma bolsa para mim estava de facto contente com o ter-me ajudado. Nunca suspeitou da minha palavra ou honestidade. E, no fundo, ficou orgulhosa de ter resolvido um problema que também era o dela.

Isto tudo contrasta com aquilo que conheci no técnico, enquanto aluna e trabalhadora. Quando existe um problema, ou encontras um simpático que o resolve ou são semanas (indeterminadas) até o assunto se encerrar. Os senhores da secretaria são antipáticos. Um problema é sempre de ninguém.
Aqui o sistema de recompensas é diferente.
Mas não é só isso. Parece-me que a relação dos americanos com o fracasso é fundamentalmente diferente da conturbada relação lusa. Quando existe um problema, ele aponta vergonhosamente para a nossa culpa de incompetentes. Envergonhados, ocultamos o problema e fazemos de conta que não é nosso. Algo que não funciona diz-nos que somos maus e feios. O problema é nosso.
Os americanos não se identificam com o fracasso. O paradigma americano é outro. Na terra cornucopiamente rica da América, existe suficiente de tudo para todos. Como tal, existe uma crença fundamental na meritocracia e competição. No seu melhor, isso diz que cada um é capaz de qualquer coisa porque existe suficiente para todos. O fracasso é natural para aqueles que tentam. E isso é bom. Quando se falha também se aprende. Os americanos identificam-se com a capacidade de solucionar.
Isto é patente nestas pequenas coisas (cada um, do senhor da secretaria às secretárias do meu departamento, se responsabilizam por resolver o meu caso particular) e noutras coisas mais gerais também.
Como sabem, estudo empreendedores. E uma das coisas que se verifica é que o estigma do fracasso varia com o país do Looser. Portugal é dos países onde o estigma é mais exacerbado. A América é o contrário.
E eu noto que reajo de maneira diferente dos meus colegas americanos. Numa leitura sobre diferenças culturais aquando da integração de uma empresa america com outra alemã referia-se que os alemães tiveram que adoptar a prática america de declarar experiências falhadas. E que isso foi feito com muito desconforto. Eu, lusa com super-ego católico, compreendi muito bem os alemães, coitados. Mas, na aula, uma colega americana referiu o contrário "o quão estúpido que é não declarar os falhanços! Como é que alguém pode não deixar de o fazer".

É claro que também existem os mal-educadinhos. Mas em menor quantidade. Aqui, reza o mito, ser bom naquilo que se faz é ser tudo.

3 comentários:

gorkiana disse...

O Madoff sabe isso tudo muito bem!

;-)

Anónimo disse...

Sim, como qualquer americano empreendedor, tudo o que faz, faz em grande escala!

:P

Guillaume Riflet disse...

Alright Cris! Gostei muito do teu "us mail" :)

Eu bem que precisava de fazer um estágio(retiro) de trabalho(espiritual) aí num grupo de trabalho nos states para mudar de ares e aprender umas coisinhas sobre trabalho e valores.

Bjs,
Guillaume